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terça-feira, março 11, 2008

Versos de Florbela Espanca

Tortura

Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
-E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso d'alto pensamento,
E puro como um ritmo d'oração!
-E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento!...

São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!



Lágrimas Ocultas

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!




As minhas ilusões

Hora sagrada dum entardecer
D'Outono, à beira mar, cor de safira.
Soa no ar uma invisível lira...
O sol é um doente a elanguescer...

A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num último suspiro, a estremecer!

O sol morreu... e veste luto o mar...
E eu vejo a urna d'oiro, a baloiçar,
À flor das ondas, num lençol d'espuma!

As minhas Ilusões, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna d'oiro,
No Mar da Vida, assim... uma por uma...



Neurastenia

Sinto hoje a alma cheia de tristeza!
Um sino dobra em mim, Avé Marias!
Lá fora, a chuva, brancas mãos esguias,
Faz na vidraça rendas de Veneza...

O vento desgrenhado, chora e reza
Por alma dos que estão nas agonias!
E flocos de neve, aves brancas, frias,
Batem as asas pela Natureza...

Chuva... tenho tristeza! Mas porquê?!
Vento... tenho saudades! Mas de quê?!
Ó neve que destino triste o nosso!

Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura!
Gritem ao mundo inteiro esta amargura,
Digam isto que sinto que eu não posso!!...



Para quê??!!

Tudo é vaidade neste mundo vão...
Tudo é tristeza; tudo é pó, é nada!
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!

Até o amor nos mente, essa canção
Que o nosso peito ri à gargalhada,
Flor que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão!...

Beijos d'amor! P'ra quê?!... Tristes vaidades!
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta!

Só acredita neles quem é louca!
Beijos d'amor que vão de boca em boca,
Como pobres que vão de porta em porta!...

retirado do "Livro de Mágoas", de Florbela Espanca

3 comentários:

Marta da Cunha e Castro disse...

Uhm... t�o romantico!! Ser� amor?

Nuno Alves disse...

Por acaso são só alguns versos de um livro que li à uns tempos e que por acaso gostei...

Marta da Cunha e Castro disse...

não foi isso que te perguntei... ou tas com medo de responder a verdade em pleno blog???